
Hoje custou-me a levantar. O sono era mais que muito após uma noite mal dormida. O frio estava quase a fazer-me ficar na cama. Levantei-me e pus-me a tratar das minhas coisas. O telefone toca, e a minha mãe diz-me, em voz triste, que a Lucy já não está cá.
A Lucy é a minha cadela. Veio para nós com poucos meses de idade, adoptada na terra do meu pai e foi amor à primeira vista. Aquela bolinha de pêlo, que cabia na palma da minha mão, voltou connosco para Setúbal e, durante os primeiros dias, só conseguia dormir se fosse no meu peito. Com muito cuidado, para não me virar e a magoar, dormia com ela em cima de mim, sossegadinha, até se habituar a dormir na caminha dela. Era a bichinha mais ternurenta que conheci. Só queria miminhos e nem sabia ladrar.
Um dia, há muitos anos, fugiu da oficina do meu avô, no Norte, onde brincava divertida com as farripas de madeira. A minha mãe hesitou muito até decidir contar-me. Na altura, uma tia que gostava muito estava a enfrentar um cancro e, por isso, a minha mãe quis poupar-me a mais esse desgosto. Mas, mal me contou, decidimos enfiar-nos no carro e, atulhadas de cartazes e panfletos, percorremos Espinho e todas as redondezas à sua procura. Espalhámos os cartazes pela cidade e, quando já não tínhamos esperança, recebemos um telefonema – a nossa menina estava bem e ia voltar para casa. Uns senhores muito simpáticos encontraram-na e trataram muito bem dela.
Mas, quando voltou, a Lucy já não era a mesma. Aquela Lucy, aquela bichinha doce, tornara-se um cão de guarda depois de vários dias ao relento, sabe Deus a enfrentar que perigos. De princesa tornou-se guerreira e passou a estar alerta a todos os ruídos. Não deixava ninguém aproximar-se dela a não sermos nós. Mas não interessa – ela voltou, sã e salva.
Mais tarde saí de casa quando fui para Algés e, como passo mais de 12 horas fora de casa (numa casa minúscula), era insustentável tirá-la da casa dos meus pais, onde ela tem imenso espaço e terraços, para se vir enfiar num cubículo sem companhia. Aos poucos, fui-me habituando a vê-la só quando ia visitar a família. Mas era incontornável chegar a casa e vê-la no seu trono, a controlar tudo. Assim que eu chegava, vinha logo pedir a sua bolacha, e só descansava quando a recebia. Se nos deitávamos no sofá, ela vinha deitar-se ao nosso lado.
Hoje, sei que não voltará a ser assim. Sei que ela está melhor assim. Infelizmente, a velhice de quase 15 anos estava a afectá-la muito e mal se conseguia levantar. Ela está melhor assim, mas nós sentimos a sua falta. Daquele seu mau feitio incutido pela vida e pelo instinto de sobrevivência. Da sua fome desamalda de cadela rafeira que comia tudo o que lhe déssemos (ou apanhasse). E daqueles seus mimos que só ela sabia dar.
Já não a via todos os dias, nem todas as semanas. Mas é incrível como um animalzinho nos fica debaixo da pele. O aperto que estou a sentir, as lágrimas que escorrem e as lembranças estão a ser um misto de emoções que custa muito a digerir.
Minha Lucy, querida Lucy, onde quer que estejas, espero que saibas que foste uma grande companheira e que nunca te esqueceremos.
Os meus sentimentos por este momento difícil e triste.
Já passei pelo mesmo duas vezes, e depressa caminha para a minha terceira vez… Custa muito, lembro-me muitas vezes daqueles que perdi e às vezes não consigo controlar e choro de saudades. Têm sempre um lugar especial no nosso coração e é essa a única má parte de ter um animal de estimação, saber que infelizmente não duram para sempre 🙁